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Tenho n considerações sobre este livro e espero não me atropelar na exposição dos argumentos. Primeiro tenho que dizer que este não foi um livro fácil, tanto que eu fui obrigada a pará-lo e ler outras coisas para depois continuar. Nunca, jamais, será bom ler sobre as desgraças que assolam a humanidade, não é uma coisa fácil mesmo, ainda mais se você pensar que aquilo ali é apenas uma parte de um todo muito maior. Em busca de um final feliz me enganou, esse título – que até lembra autoajuda - e a palavra esperança no subtítulo me deixaram com uma expectativa de que as coisas melhorariam no fim, sabem? Como em Quem quer ser um milionário?, por exemplo. Mas aqui é a vida real e tudo que eu li, senti, sofri foi a mais pura desgraça, um bombardeio delas, uma tristeza imensa. Saber que são histórias reais só me fez ficar pior e pensar em como somos mesquinhos e egoístas em tantos momentos da vida, quase que diariamente. Reclamamos tanto e temos muito mais do que aquelas pessoas sonham em ter. Não faz sentido, não é justo.

Eu e a Nanda lemos praticamente na mesma época, ou melhor, começamos, porque ela devora os livros de uma forma que eu não consigo acompanhar. Que inveja. E nós duas sentimos mais ou menos as mesmas coisas, como a leitura um pouco arrastada – confesso que estava esperando minha irmã sair de uma consulta e dei uma ou outra pescada lendo – e a já citada imensa presença de desgraças. Katherine Boo publicou em seu livro histórias sobre alguns dos milhares de moradores das favelas indianas, estes vivem em Annawadi, um assentamento com mais de 300 barracos ao lado do Aeroporto Internacional de Mumbai. Histórias que me encheram de dor, repugnância, raiva até. Como  a de Abdul, que até certo momento nem sabe que idade tem, a única coisa que ele sabe é que precisa trabalhar para sustentar as 11 bocas de sua família. Tem também a Perna Só, que por inveja e desgosto da vida toca fogo em si mesma e põe a culpa em pessoas inocentes. Há também Asha, que não mede esforços e não tem escrúpulos para conseguir o que quer. Sem contar com Sunil, Kalu, Meena e tantos outros nomes que conheci.

Como pode um menino de 17 anos ter que trabalhar para sustentar a família de 11 pessoas e que por se dar bem – o se dar bem é poder construir uma parede de tijolos no barraco e colocar piso no chão – acaba envolvido numa acusação policial? Como pode a polícia ser tão corrupta que só quer saber de pagamentos de propina seja para fazer a coisa certa ou a errada? Como pode uma menina tomar veneno de rato para tirar a própria vida porque seu casamento arranjado não era o que ela queria ou então um menino com tanto medo do que o futuro reserva fazer o mesmo? Como pode tanta gente querer tirar proveito dos outros assim? Poderia ficar citando as coisas por parágrafos e mais parágrafos, mas acho que vocês puderam pegar a essência da coisa.

O sistema criminal da Índia era um mercado, assim comoo do lixo, Abdul entendia isso agora. A inocência e a culpa podiam ser compradas e vendidas como um quilo de sacolas plásticas. Página 137

Sou uma pessoa que absorve demais essas coisas e a leitura se arrastou muito. Eu lia e lia e parece que não saía do lugar. Aí começaram a aparecer cada vez mais desgraças e mortes e quando um dos meninos foi achado morto de forma tão brutal, eu nem imagino minha expressão, só sei que meu marido tirou o livro da minha mão, marcou a página e disse para eu dar um tempo, porque parecia que eu ia chorar e ele não gostava de me ver assim. Concordei com ele, afinal, o livro não estava me fazendo bem mesmo. Li duas comédias e depois voltei, mas voltei preparada, mais e mais mortes ocorreram e eu me esforcei para não sentir nada, não chorei nem nada, mas ainda fiquei triste. Para manter o humor equilibrado, comentei que pelo menos algumas pessoas continuaram vivas, porque era um mar de desgraça.

O curioso é que durante esse ano eu li os quatro volumes da série dos tigres da Colleen Houck e lá eu viajei por uma Índia completamente diferente, ela era encantadora, cheia de coisas boas. E então me deparo com essa outra parte tão ruim e devastadora. Pessoas sem ter o que comer, convivendo com o esgoto a céu aberto – o lago de esgoto, como é conhecido - e tendo até que comer ratos e sapos. Sério. Crianças assoladas pelo vício de inalar o eraz-ex, uma espécie de corretivo usado em documentos diversos. Pessoas morrendo atropeladas, assassinadas e tendo em seu registro de óbito a causa de tuberculose, só para ser resolvido mais rápido. Nossa, não consigo enumerar aqui todas as coisas inaceitáveis que li no texto de Boo. Em comum nos dois livros só encontrei mesmo a deusa Durga.

Durante essas noites, ao final da temporada da monção, dizia-se que a deusa Durga lutava contra o demônio do universo  e triunfava. Página 210 

Um fato curioso e muito marcante do livro foi quando alguns cavalos de um morador foram usados em uma corrida e morreram, aí ONGs de direitos dos animais foram até a favela para tirar do cara os outros cavalos e dar uma condição melhor de vida para eles. Tudo sob o olhar de crianças que não tinham sequer esperança de chegar até a idade adulta, porque sinceramente, o que o futuro poderia reservar? Ou seriam ladrões e morreriam logo, ou continuariam como catadores de lixo e vivendo miseravelmente, pegariam uma das inúmeras doenças presentes naquele ambiente e morreriam logo. Não estou dizendo que os cavalos não mereciam ser salvos, vocês sabem que amo de paixão os animais, mas naquele momento ali, havia uma causa muito mais urgente, que não foi vista e nem mesmo ganhou importância.

O livro é daqueles de se indignar, de ver a vida com novos olhos. Confesso que não estou atualizada com a situação atual da Índia – o livro conta histórias de 2008 para trás, se eu não me engano –, mas pelas matérias que lembro de ter passado os olhos recentemente, muita coisa continua igual. E bons anos se passaram. Gostaria mesmo de saber que aquelas crianças que conheci aqui e que sobreviveram puderam ter um futuro diferente, mais próspero e feliz. Mas não vou me enganar, como diz aquela música “o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre”. São crises econômicas e outras situações que desencadeiam isso basicamente, mas acima de tudo a grande culpada é a corrupção. Vocês não têm ideia de quantos projetos destinados para essas pessoas apareceram no livro e tudo que deveria garantir uma existência mais digna para eles era desviado, por próprios moradores, que se achavam mais espertos. Esse mal só cresce.

Ainda assim, dei três estrelas para o livro, porque ele consegue passar a mensagem dele e porque ele me fez pensar em muitas coisas, até mesmo no fato de que é tão comum as pessoas fecharem os olhos para situações como essas, que ocorrem muito próximas de nós. Que é mais fácil ignorar, olhar para o outro lado da estrada, que é onde ficam os prédios bonitos e as vistas melhores. Não amei, porque sofri, mas ele me mostrou coisas e ensinou outras, por isso valeu a pena ser lido.

Beijos e uma ótima quinta-feira.