Perder alguém próximo não é fácil em nenhuma idade. Mas acredito que na adolescência, quando tudo em volta parece errado, deslocado, difícil e tenebroso, seja pior.

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Em Cartas de amor aos mortos, Laurel perdeu sua irmã - e só quem ler vai descobrir como, mas posso dizer que foi de uma forma traumática, como se a perda em si já não fosse. May era o espelho de Laurel, o objetivo a ser alcançado. Ela era perfeita aos olhos da irmã mais nova e Laurel queria ser igual a ela. Com a morte de May, esse se tornou um objetivo ainda maior. 

Laurel não se via, não se enxergava ou conhecia, tudo que ela queria era ser uma cópia da irmã perfeita. Até que ela aprendeu a se conhecer e amadureceu.

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Tudo começou com uma tarefa da escola. Escrever uma carta para alguém falecido. Laurel podia escrever pra irmã, mas preferiu "conversar" com ídolos de gerações, que apesar de conquistar muito e serem admirados por tantas pessoas, morreram cedo. Cada um influenciou um momento de vida de Laurel e foi com eles que ela começou a se abrir. Primeiro contando coisas triviais, mostrando indícios de que algo a incomodava, queimava dentro dela, até que ela quis se abrir e se mostrar por inteira para eles e para os que estavam a sua volta. Reconquistando sua vida, exorcizando demônios de dentro de si e se abrindo para experiências novas e reais, dela.

Como já comentei por aqui, ando num período difícil pra leitura, com muita coisa pra dar conta, então demorei mais que o esperado para terminar o livro, uma cortesia da editora Seguinte - selo da Companhia das Letras. Eu simplesmente amei o jeito que Ava Dellaira encontrou para contar a história de Laurel, através de cartas. Tudo o que sabemos da vida da protagonista, ela mesmo quem conta, por meio de desabafos que ela nem imaginava o quanto iriam ajudá-la. Laurel escreveu para Kurt Cobain, Janis Joplin, Amy Winehouse, Heath Ledger, Judy Garland, entre outros. Sempre no início da carta, Laurel falava um pouco sobre a vida do famoso para quem escrevia e fazia uma espécie de reflexão, comparando com seu momento atual.

Laurel sofreu muito com a perda da irmã, seu exemplo de pessoa, a quem era grudada, com quem tentou superar a separação dos pais. Viver tudo isso na adolescência é um obstáculo grande a ser vencido. Ainda mais quando após a morte, sua mãe viajou para longe e não voltou mais, mantendo contato apenas por telefone, e quando se precisa passar uma semana na casa do pai e outra na casa da tia, uma crente fervorosa. Sem falar na escola nova, amigos novos e paqueras, tarefas, tentações e tudo que idade traz para lidar.

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Eu meio que peguei o papel da May pra mim, queria proteger a Laurel e fiquei infinitas vezes aflita com o que poderia acontecer, com o que ela poderia fazer, já que ela não falava com ninguém, apenas escrevia as cartas. Mas com essa ajuda e um pouco de ajuda externa, ela viu que precisava mudar e acabou me deixando imensamente orgulhosa, assim como tenho certeza que May ficaria. A história é pesada em diferentes níveis, envolve traumas que não se deseja a ninguém e um sentimento de culpa que apenas corrói as pessoas.

Os personagens são muito bons, bem construídos e a narrativa flui muito bem. Senti que vivia aquilo com Laurel. Mesmo não podendo interferir do modo como queria, ela conseguiu se sair bem e me deixou com um sorriso no rosto. A melhor parte de se terminar uma leitura é saber que ela nos fez bem, nos levou para um lugar diferente, com problemas diferentes a ser vencidos, novas batalhas, amores e histórias. Mesmo sendo infanto-juvenil, ele fez seu papel e me cativou. Ganhou cinco estrelas.

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Outras frases:

  • Quando May e eu éramos pequenas, adorávamos nos pendurar nele [pai]. Mas agora é como se eu tivesse medo de me aproximar demais, tropeçar e derramar toda a tristeza que ele guarda. Página 38
  • Kurt, parece que você conhecia May, Hannah e Natalie, e a mim também. Como se enxergasse dentro de nós. Você cantava sobre o medo, a raiva, e todos os sentimentos que as pessoas escondem. Até eu. Mas sei que você não queria ser nosso herói. Não queria ser um ídolo. Só queria ser você mesmo. Só queria que escutássemos suas músicas. Página 44
  • Somos todos estranhos, de um jeito diferente, e isso é normal. Página 53

  • Talvez ela precisasse de mim tanto quanto eu precisava dela. Talvez precisasse da maneira como eu olhava para ela, de como eu a amava. Página 295

  • [...] Mas não somos transparentes. Se quisermos que alguém nos conheça, precisamos nos revelar a essa pessoa. Página 297

  • Talvez ao contar histórias, por pior que sejam, não deixemos de pertencer a elas. Elas se tornam nossas. E talvez amadurecer signifique que você não precisa ser uma personagem seguindo um roteiro. É saber que você pode ser a autora. Página 312

Beijos e ótima quarta!